segunda-feira, 15 de novembro de 2010

.impressões


.a festa**

"Estava suave o sol, o ar limpo e o céu sem nuvens. Afundado na areia, um caldeirão de barro fumegava.
No caminho entre o mar e a boca, os camarões passavam pelas mãos de Zé Fernando, mestre de cerimônias, que os banhava em água-benta de sal e cebolas e alho.
Havia bom vinho. Sentados em roda, amigos compartilhávamos o vinho e os camarões e o mar que se abria, livre e luminoso, aos nossos pés.
Enquanto acontecia, essa alegria estava já sendo recordada pela memória e sonhada pelo sonho. Ela não terminaria nunca, e nós tampouco, porque somos todos mortais até o primeiro beijo e o segundo copo, e qualquer um sabe disso, por menos que se saiba."

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.as impressões digitais**

"Eu nasci e cresci debaixo das estrelas do Cruzeiro do Sul.
Aonde quer que eu vá, elas me perseguem. Debaixo do Cruzeiro do Sul, cruz de fulgores, vou vivendo as estações de meu destino.
Não tenho nenhum deus. Se tivesse, pediria a ele que não me deixe chegar à morte: ainda não. Falta muito o que andar. Existem luas para as quais ainda não lati e sóis nos quais ainda não me incendiei. Ainda não mergulhei em todos os mares deste mundo, que dizem que são sete, nem em todos os rios do Paraíso, que dizem que são quatro.
Em Montevidéu, existe um menino que explica:
- Eu não quero morrer nunca, porque quero brincar sempre."

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[hora de parar com essa coisa de "nada importa", "tudo bem ser assim"... porque as coisas importam sim. tudo e cada instante. senão os valores se perdem...]

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**textos de eduardo galeano, mais uma vez.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

.a pálida

[uma bela descrição daqueles dias que não conseguimos descrever - e é isso mesmo, aparentemente sem sentido.]


"No café da manhã, minhas certezas servem-se de dúvidas. E tem dias em que me sinto estrangeiro em Montevidéu e em qualquer outra parte. Nesses dias, dias sem sol, noites sem lua, nenhum lugar é o meu lugar e não consigo me reconhecer em nada, em ninguém. As palavras não se parecem àquilo que dão nome, e não se parecem nem mesmo ao seu próprio som. Então não estou onde estou. Deixo meu corpo e saio, para longe, para lugar nenhum, e não quero estar com ninguém, nem mesmo comigo, e não tenho, nem quero ter, nome algum: então perco a vontade de me chamar ou de ser chamado."

[eduardo galeano.]

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