sexta-feira, 30 de maio de 2008

.eu também quero um desses!

Pois bem, como disse anteriormente... um livro me deu muitas alegrias, mas no fim me fez chorar que nem uma p*** mal paga e mal comida. [sim, expressão "chula", mas que define bem a coisa. - não, não que eu saiba como é ser uma p*** mal paga e mal comida, mas mais ou menos imagino como seria se fosse].

O dito cujo é "Marley e eu", e não li só porque foi um dos mais vendidos ano passado, só porque meio mundo leu, só porque vai sair o filme. É que tudo que se refere a animais me atrai. Eu amo demais bichos, cachorros então... [não há ambigüidade aqui.]

Como o próprio livro define:
"A história amorosa e inesquecível de uma família em formação e o maravilhoso e neurótico cão que lhes ensinou o que realmente importa na vida."

Foi engraçado, porque quinta passada minha mãe entrou assustada no meu quarto, com a angie no colo, e me encontrou chorando de rir... eu me lavei, tava me torcendo na cama, tive um surto, não conseguia parar... e quem me conhece sabe o quanto minha risada é "bonita"...
{um adendo - definição da minha vó: "ana, como tua risada é feia. parece que engoliu um apito."}

Mas também não foi pra menos. O Marley era uma praga... muito amável, sensível... mas uma criatura hiperativa enlouquecida.
Inclusive, depois de ler o livro, descobri que a angie é um anjo.


[angel angie]


Ok, mas voltando...
vou colocar aqui um dos trechos mais divertidos do livro e situar mais ou menos o contexto...

A família feliz [John, Jenny e seus dois filhos] resolveram almoçar juntos num restaurante. Recém tinham se mudado para Boca Raton, uma cidade no sul da Flórida.
Como descrito no livro: "Boca tinha (e com certeza ainda tem) uma quantidade desproporcional dos menores e mais mimados cães do mundo", "era uma terra de luxuosos sedãs, carros esportes vermelhos, mansões cor-de-rosa apertadas em pequenos terrenos e edifícios com guardas postados em seus portões", "as mulheres eram exageradamente bronzeadas, no mesmo tom das bolsas de couro Gucci que mais gostavam, contrastando a pele escura com o cabelo tingido em alarmantes tons platinum blonde".
Em Boca muitos restaurantes têm mesas ao ar livre, e é costume do local que os animais - os pequenos cães mimados - façam companhia a seus donos na hora da refeição.
E lá se foi a família feliz numa dessas, com o Marley...

"Colocamos os meninos e nosso cachorro na minivan e fomos para Mizner Park, o shopping center no centro da cidade construído como uma praça italiana, com calçadas largas e infinitas opções de restaurantes. Estacionamos o carro (...). Jenny colocara os meninos amarrados em um carrinho de bebê duplo que poderia muito bem ser confundido por um carrinho de manutenção, carregando na parte de trás todo tipo de parafernália infantil (...). Eu a seguia de perto, Marley com o alerta de minicães ligado, mal se segurando ao meu lado. Ele estava ainda mais atacado do que o normal, mas se contendo diante da possibilidade de se aproximar de um desses pequenos puros-sangues que desfilavam à frente dele (...).

Escolhemos um restaurante que tinha um dos cardápios mais em conta e ficamos esperando até desocupar uma mesa na calçada. Ela era perfeita - sombreada, com uma vista do chafariz no meio da praça, e pesada o suficiente, como pudemos nos certificar, para impedir um labrador de cinqüenta quilos de sair em desabalada carreira. Prendi a ponta da guia de Marley em uma das pernas da mesa, e pedimos bebidas para todos: duas cervejas e dois sucos de maçã.

- A um lindo dia com minha família - disse Jenny, erguendo a bebida para um brinde.

Brindamos com um toque de nossas garrafas de cerveja; os meninos bateram seus copinhos com canudinho. Foi quando aconteceu. Foi tão rápido, na verdade, que sequer nos demos conta do que tinha acontecido. Só sabíamos que em um instante estávamos sentados junto a uma mesa ao ar livre, brindando aquele belíssimo dia e, no seguinte, nossa mesa havia sumido, espatifando-se contra as outras mesas, derrubando pedestres inocentes e guinchando de forma insuportável, arrastada sobre a calçada de concreto. Naquela primeira fração de segundo, nenhum de nós percebeu exatamente o que havia acontecido para que nossa mesa voasse, tentando fugir de nós. Na fração de segundo seguinte, descobri que não fora a mesa que estava assombrada, mas nosso cão. Marley disparara, puxando com todo peso, esticando a guia como uma corda de piano. Na fração de segundo seguinte, vi onde Marley queria ir, arrastando a mesa trás dele.

Quinze metros à frente na calçada, um delicado poodle francês esticava-se ao lado de sua dona, com o nariz empinado. Droga, eu pensei, que idéia fixa que ele tem com poodles. Jenny e eu ficamos ali ainda um segundo a mais, com as bebidas na mão, os meninos entre nós no carrinho, nossa perfeita tarde de domingo intocada exceto pelo fato de que nossa mesa estava agora abrindo caminho pela multidão. No instante seguinte, estávamos e pé, gritando, correndo, desculpando-nos aos clientes à nossa volta, à medida que passávamos. Fui o primeiro a agarrar a mesa fujona que arranhava a calçada da praça. Coloquei as mãos nela, firmei os pés, e puxei-a para trás com tudo. Logo jenny me alcançou, puxando-a também. Senti como se fôssemos uma dupla de mocinhos em um filme de bangue-angue, usando toda a força para deter um trem descontrolado antes que se descarrilasse e caísse em uma rianceira. No meio de toda essa loucura, Jenny virou-se para trás e exclamou:

- Já voltamos, meninos!

Já voltamos? Ela fez com que se parecesse tão comum, tão esperado, tão planejado, como se fizéssemos isso sempre, decidindo de última hora que, por que não, seria divertido deixar Marley nos conduzir em um pequeno passeio arrastando uma mesa pela cidade, talvez parando para ver as vitrines no caminho, antes de voltarmos a tempo de comer o tira-gosto.Quando finalmente conseguimos segurar a mesa e fazer Marley sentar, a pocos metros do podle e sua dona aterrorizada, virei-me para olhar para os meninos, e foi quando dei uma boa olhada pela primeira vez para os rostos de nossos vizinhos de mesa sentados ao ar livre. Foi como uma cena em uma dessas propagandas de televisão onde umamultidão se congela em silêncio, esperando ouvir uma palavra sussurrada dizendo-lhes o que fazer.(...)

Um garçom acorreu e me ajudou a arrastar a mesa de volta ao seu lugar enquanto Jenny segurava Marley, ainda com os olhos fixos no objeto do seu desejo, com força total.

- Deixe-me pegar um novo jogo de mesa para vocês - disse o garçom.
- Isso não será necessário - Jenny disse, sem se abalar.
- Vamos pagar por nossas bebidas e ir embora."

(...)

[mas que momento! ...]

[e olha a cara do praguinha...]



quarta-feira, 28 de maio de 2008

.só para complementar o que eu dizia...

Um texto que convém...

=)

.fora do contexto

Eu sinto um alívio do tamanho do mundo.
onde não cabem mais palavras, nem mais incoerências.
só o silêncio. e a certeza de que a mediocridade me repele.
e a mais absoluta certeza também de que eu não preciso estar lá... nem aí... aqui é o lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas, sem forçar nada.
o simples e o verdadeiro.
com toda intensidade, toda dor e toda alegria possível.
tudo parecendo tão torto, errado... e, no fundo, eu tendo a certeza de que mais correto, impossível.


e um livro que me fez chorar de rir num dia, me deu uma tristeza imensa no seguinte.
e nem por isso eu achei ruim.
a tristeza sabe ser melhor que a alegria em muitos momentos. basta olhar pra ela com respeito, e tirar proveito ao máximo.
ela nos ensina muitas coisas.
e deixa a certeza que vai embora para dar lugar a coisas novas, e boas...
mas a vida é feita de ciclos, logo ela volta... e se vai novamente. sempre deixando uma marca.
e as marcas que tenho aqui hoje admiro e trato com carinho. só não choro em cima delas. o prazo estabelecido para isso já passou. eu não me permito estender meu tempo a inutilidades. não deixo que tomem conta da minha vida.


[fria? talvez.
creio que só quando necessário.
intolerante? não...
eu diria... objetiva. a falta de ação me irrita muito, consegue me tirar do sério.]


"da água estagnada espera veneno."
e dessa sim eu não faço questão de beber.
mas vejo muita gente se afogando.
pena. eu não sei nadar.


do livro, falo no próximo post. até porque hoje não quero me estender mais.
foram só umas breves palavras que estavam loucas por serem escritas em algum lugar, e acho que eu devia elas a algumas pessoas.

[hoje sinto alegria por tudo e todos que fazem parte da minha vida... já digo que aos poucos retorno, e peço desculpas pelo sumiço de alguns dias, pelos telefonemas não atendidos, e aos quais eu não retornei; por não conectar no msn, por testemunhos que não respondi, pela brevidade das minhas palavras, e talvez pela minha grosseria... mas esse tempo foi extremamente necessário e valioso. as 9273410673581365 circunstâncias ocorridas simultaneamente me levaram a isso. sinto pelo meu egoísmo. essa não sou eu. pelo menos, eu acho que não.]


[.da constante busca pelo equilíbrio, num instante tão breve]

terça-feira, 20 de maio de 2008

.fase de desintoxicação

Por uns dias vou ficar sem postar nada. Tenho lido bons livros ainda, mas outras coisas me são mais importantes no momento.
.

Voltarei a escrever em breve, muito em breve... porque sei que não consigo ficar muitos dias longe daqui...
.


[Nota mental muito importante: dar férias para o que não convém... arejar é necessário.]

domingo, 18 de maio de 2008

.ar de noturno


Tenho muito medo
das folhas mortas,
medo dos prados
cheios de orvalho.
Eu vou dormir;
se não me despertas,
deixarei a teu lado meu coração frio.

O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !

Pus em ti colares
com gemas de aurora.
Por que me abandonas
neste caminho?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e a verde vinha
não dará seu vinho.

O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !

Nunca saberás,
esfinge de neve,
o muito que eu
haveria de te querer
essas madrugadas
quando chove
e no ramo seco
se desfaz o ninho.

O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !

[mais uma do maiakovski]

sábado, 17 de maio de 2008

.dedução

"Não acabarão com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo firme,
fiel
e verdadeiramente."


[Maiakóvski - tenho conhecido alguns poemas muito bons dele... vou postando aos poucos... ]

quarta-feira, 14 de maio de 2008

.o tamanho das pessoas

Encontrei esse texto num antigo arquivo meu... nem lembrava dele. Muito simples, mas muito real...


O Tamanho das Pessoas


Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento.

Ela é enorme para você, quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado.

É pequena para você quando só pensa em si mesma, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas: a amizade, o respeito, o carinho, o zelo e até mesmo o amor.

Uma pessoa é gigante para você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto com você.

É pequena quando desvia do assunto.

Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma.

Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos clichês...



[Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas.]



Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande.

Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.

É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos.

Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações.

Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma. O egoísmo unifica os insignificantes.

Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande...

É a sua sensibilidade sem tamanho...


[e, ao meu ver, os animais são os únicos eternamente gigantes...]


terça-feira, 13 de maio de 2008

.o mais breve possível hoje

"Enquanto o coração mantém desejos sempre guarda ilusões."

Chateaubriand


[porque eu gostei muito disso... simples e direto]

segunda-feira, 12 de maio de 2008

.do tempo

[A Persistência da Memória - obra de Salvador Dalí]
.

"Gostaríeis de medir o tempo, o ilimitado e o incomensurável.

Gostaríeis de ajustar vosso comportamento e mesmo de reger o curso de vossas almas de acordo com as horas e as estações.

Do tempo, gostaríeis de fazer um rio, na margem do qual vos sentaríeis para observar correr as águas.

Contudo, o que em vós escapa ao tempo sabe que a vida também escapa ao tempo,

E sabe que ontem é apenas a recordação de hoje e amanhã, o sonho de hoje,

E que aquilo que canta e medita em vós continua a morar dentro daquele primeiro momento em que as estrelas foram semeadas no espaço.

.

Quem, dentre vós, não sente que seu poder de amar é ilimitado?

E, contudo, quem não sente esse amor, embora ilimitado, circunscrito dentro do seu próprio ser, e não se movendo de um pensamento amoroso a outro, e de uma ação amorosa a outra?

E não é o tempo, exatamente como o amor, indivisível e insondável?

.

Se, todavia, deveis dividir o tempo em estações, que cada estação envolva todas as outras estações,

E que vosso presente abrace o passado com nostalgia e o futuro com ânsia e carinho."

.

[mais um trecho de O Profeta - Gibran Khalil Gibran]

sexta-feira, 9 de maio de 2008

.do amor e da liberdade


"Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor um grilhão:

Que haja antes um mar ondulante entre as praias de vossas almas.

Enchei a taça um do outro, mas não bebais na mesma taça.

Dai de vosso pão um ao outro, mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos, e sede alegres, mas deixai cada um de vós estar sozinho,

Assim como as cordas da lira são separadas e, no entanto, vibram na mesma harmonia.

.

Dai vossos corações, mas não os confieis à guarda um do outro.

Pois somente a mão da vida pode conter vossos corações.

E vivei juntos, mas não vos aconcheguei em demasia;

Pois as colunas do templo erguem-se separadamente,

E o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro."

.

[O Profeta - Gibran Khalil Gibran]

.

[o tipo de livro pra ler e reler muitas vezes...]

segunda-feira, 5 de maio de 2008

.desenterrando

Em meio à "estiagem" de livros da última semana, achei por bem organizar algumas coisas no meu quarto e dei por falta do único livro do Arnaldo Jabor que eu tenho: Amor é prosa, sexo é poesia. Achei ele no quarto do meu irmão, e voltei a folhear algumas páginas.
Resolvi colocar aqui uns trechinhos de uma crônica bem interessante, onde ele fala das recordações que tem do avô...

Coisas dos tempos idos, quando eu não era nem projeto. Mas o mundo – e as pessoas – não mudaram nada nesse meio tempo, pelo visto...


Meu avô foi um belo retrato do malandro carioca
.
ESTE TEXTO é sobre ninguém. Meu avô não foi ninguém. No entanto, que grande homem ele foi para mim. Meu pai era severo e triste, mal o via, chegava de aviões de guerra e nem me olhava. Meu avô, não. Me pegava pela mão e me levava para o Jockey, para ver os cavalinhos. Foi uma figura masculina carinhosa em minha vida. Se não fosse ele, talvez eu estivesse hoje cantando boleros no Crazy Love, com o codinome Neide Suely.

Meu avô, Arnaldo Hess, foi um belo retrato do Brasil dos anos 40/50. Era um malandro carioca – em volta dele, gravitavam o botequim, a gravata com alfinete de pérola, o sapato bicolor, o cabelo com Gumex, o chapéu-palheta, o relógio de corrente, seu Patek Phillipe tão invejado, em volta dele ressoava a língua carioca mais pura e linda, com velhas gírias (“Essa matula do Flamengo é turuna!”...). Meu avô era orgulhoso de viver nesta cidade baldia e amada, o Rio que soava nos disco de 78 rpm, nas ondas do rádio, o Rio precário e poético, dos esfomeados malandros da Lapa, das mulheres sem malho e de seus sofrimentos românticos, entre varizes e celulite.
(...)
.
Ele também me dava aulas de sexo. Contou-me uma vez que a melhor mulher que ele teve na vida tinha sido uma “joão”. Que era “joão”? Esse termo, ainda escravista, designava as pretinhas tão pretinhas que tinham o pixaim da cabeça ralo, quase carecas. Eram as “joão”. Pois ele me disse: “Foi no terreno baldio, ali na General Belfort... foi o melhor nick fostene que eu tive...” (inventara esse nome de falso inglês de cinema americano para designar a cópula, sendo a palavra acompanhada pelo gesto vaivém de bomba de “Flit”: Nick Fostene...). Contava isso a um menino de dez anos, a quem ele dava cigarros e ensinava (a mim e ao Cláudio Acylino, meu primo) a pegar bonde no estribo, andando. Me apresentou sua amante, uma mulher ruiva chamada Celeste, que me beijava trêmula e carente como uma avó postiça e que, sendo de “boa família” (ele me falava disso com uma ponta de orgulho), “nunca se metera em sua vida familiar oficial”. Isso ele dizia com os olhos machistas molhados de gratidão. Ou seja, ele me ensinava tudo errado e com isso me salvou.
(...)

Uma vez, já mais tarde, eu namorava uma moça lindíssima e virgem (claro) mas burrinha. Reclamei com ele. Resposta: “Ah, é burrinha? Você quer inteligência? Então vai namorar o Santiago Dantas!”. Quando fomos aos sinistros rendez-vous, de onde nos floresceram as primeiras gonorréias, nossos pais severos bronquearam: “Vocês são uns porcos!”. Já nosso vovô riu, sacaneando: “Poxa... boas mulheres, hein...?”.

Vovô nos ensinava a conversar com as pessoas, olho no olho. Na minha família de classe média, celebravam-se as meias-palavras, o fingimento de uma elegância falsa, de uma finesse irreal. Só meu avô falava com os vagabundos da rua, com os botequineiros, com os mata-mosquitos. Enquanto minha família toda votava histericamente na UDN, em pleno delírio golpista, meu avô pegou o chapéu, e foi votar. Eu fui atrás dele... “Votar em quem?” “No Getúlio, seu Arnaldinho... ele gosta do povo e eu sou povo.”. “Eu sou ‘povo’ também, vovô?”, perguntei. Ele riu: “Você não; você tem velocípede....”.

Ele me levava ao Maracanã, ele me levava em seu ombro para ver a estrela néon da cervejaria Black Princess (até hoje me brilha esta supernova na alma), ele, uma vez, deixou-me ver um morto na calçada, navalhado no peito (“Parecia a fita do Vasco da Gama”, ele disse) – não me escondeu a tragédia.
Me ensinou tudo errado e me salvou...
(...)

Velho gagá, deu para dizer coisas profundíssimas. Uma vez, já nos anos 70, celebrei para ele as maravilhas lisérgicas do LSD que eu tomara. Ele me ouviu falar em “delírio de cores”, “lucy in the skies” e comentou: “Cuidado, Arnaldinho, pois nada é só bom...”. Outra vez, vendo passar um super-ripongão sujo, “bicho-grilo brabo”, comentou: “Olha lá. Um sujeito fingindo de mendigo para esconder o que realmente é...!”

Há dois anos, na exumação de um parente, o coveiro colocou várias caixas de ossos em cima do túmulo. Numa delas, estava escrito a giz: “Arnaldo Hess”. Não resisti e levantei de leve a tampa de zinco. Estavam lá os ossos de vovô. Vi um fêmur, tíbias, que eu toquei com a mão. Vocês não imaginam a infinita alegria de, por segundos, encostar em meu avô querido. Eu estava com ele de novo em 1952, sob o céu azul do Rio.

Meu avô não era ninguém. Mas nunca houve alguém como ele.