terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

.minha amante esperança

Sim, nem preciso dizer, é dela ainda.

E esse capítulo começa assim:

"Foram-se os amores que tive
ou me tiveram:
partiram
num cortejo silencioso e iluminado.
O tempo me ensinou
a não acreditar demais na morte
nem desistir da vida: cultivo
alegrias num jardim
onde estamos eu, os sonhos idos,
os velhos amores e seus segredos.
E a esperança - que rebrilha
como pedrinhas de cor entre as raízes."

(Secreta mirada, 1997)

e segue mais adiante:

"Uma das questões, talvez a fundamental, é o que e quanto nos permitimos. A tendência é de nos permitirem pouco, e de entrarmos nessa onda do: a esta altura? na sua situação? mas você acha mesmo que...?
Minha amiga divorciou-se, e ao ficar sozinha comprou um apartamento grande, iluminado, onde poderia morar confortavelmente uma família inteira.
Em lugar de aplaudir, de a estimular, muitas pessoas se espantavam:
"Mas pra que você, sozinha, num apartamento tão grande?"
E por que, estando só, ela deveria se acomodar num lugar pequeno - como se já não merecesse espaço? É como dizem às mulheres quando os filhos se foram e quem sabe o marido morreu:
"Está doida, onde se viu, morar sozinha naquele casarão?"
Mas por que (a não ser por questões reais de segurança, por exemplo) não se pode continuar morando numa casa grande para receber filhos, netos e amigos, e fazer festas - ou porque se aprecia?

O espaço interior é necessário para a permanente recriação de si. São os aposentos que deveriam ser os mais generosos e iluminados. Ali poderíamos analisar nosso trajeto feito, conferir nossos parâmetros, repensar os amores vividos e os projetos possíveis.
Porém nesta nossa cultura do barulho e da agitação somos impelidos a fazer coisas, promover coisas, não a refletir sobre elas: precisamos de eventos, roteiros e programas, ou nos sentimos como quem fica de fora e para trás.
Porém na verdade o que nos revigora é sossegar, entrar em nós, refletir. Nada se renova, inova, expande e se faz de verdade sem um momento de silêncio e observação. Depois disso podemos, devemos, querer e ousar.
Não nos salva o enquadramento medíocre e burocrático das almas documentais, mas o vasculhar corajoso dentro de si para encontrar o material essencial, e abraçado a ele saltar, às vezes até mesmo sem rede nem garantia.
Não é necessário estar em todos os lugares para participar dos milagres e eventuais desconsertos de viver. Mesmo quieta em sua sala ou na mesa de trabalho, a gente pode existir, plenamente, conscientemente, validamente."

Um comentário:

@Café disse...

ótima reflexão...