.na minha humilde opinião, esse é o melhor trecho do último livro da lya luft: "múltipla escolha" [que me soou como um desabafo - sobre tudo um pouco, do início ao fim. gostei e recomendo.]
"Nessa falta de parâmetros, a tentação de experimentar pode se tornar uma ideia fixa. Tudo parece estar disponível: riqueza, beleza, juventude eterna, viagens, prazeres, promiscuidade (o que é que tem?), mil modos de abafar dúvidas e angústias.
Queremos presença e segurança, porém, em vez de estímulos e ajuda, sofremos desde muito cedo mil cobranças: O que você vai ser? O que vai estudar? Como, fracassou em mais um vestibular? Já transou? Nunca transou? Onze anos e ainda não ficou? E ainda não bebeu? Nem experimentou uma maconhazinha sequer? E um viagra pra melhorar ainda mais? Ainda aguenta os chatos dos pais? Saiba que eles te controlam sob o pretexto de que te amam. Sai dessa! Já tendo que trabalhar? E mais tarde: quarenta anos, e ganhando tão pouco? Tanto compromisso? E não tem aquele carro? Nunca esteve naquele resort? Não viu aquele filme, nem assistiu àquele espetáculo?
Como raramente cumprimos esses mandados, já ao levantar de manhã nos acompanha a sensação de que algo está errado conosco: dúvida e frustração. Somos severos cobradores das nossas próprias ações.
No esforço de realizar tarefas que talvez nem nos digam respeito, tememos olhar em torno e constatar que muita coisa falhou. Se falharmos, quem haverá de nos desculpar, de nos aceitar, onde nos encaixaremos, nesse universo de exitosos, bem-sucedidos, ricos e belos? Pois não se permite o erro, o fracasso, nesse ambiente perfeito. Duro dizer "amei torto, ignorei meus filhos, falhei com minha parceira ou parceiro, votei errado, fracassei na profissão, não ajudei meu amigo, abandonei meus velhos pais e esqueci meus sonhos".
Queremos, mais do que o possível, o espantoso: atividade, dinheiro, saúde, perfeição física, competitividade no trabalho, desempenho no amor, quem sabe até a foto naquela revista, a entrevista, os segundos de fama.
Mas sofremos a solidão no quarto, a ausência à mesa, a alegria perdida, o rosto onde nada combina, o silicone que escorre, a cicatriz que ressurge, e o tempo que ri de nós porque não o soubemos encarar. Enquanto nós, teatro mambembe de pequenos absurdos, ainda não encontramos nem a roupa nem o texto, nem sabemos quem vai nos dirigir, plateia de nós mesmos, sentada no escuro.
Carentes de uma escuta interessada, não temos com quem falar. Para as decisões que deveríamos tomar (às vezes o melhor é não fazer nada, mas refletir um pouco), precisamos de informação, que nasce da comunicação. Mas, no século dos altos decibéis, quando se trata da palavra somos desajeitados: temos medo de falar, e temor de silenciar."