Bonita mesmo
Quando é que uma mulher é realmente bonita? No momento em que sai do cabelereiro? Quando está numa festa? Quando posa para uma foto? Clic, clic, clic. Sorriso amarelo, postura artificial, desempenho para o público. Bonitas mesmo somos quando ninguém está nos vendo.
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Atirada no sofá, com uma calça de ficar em casa, uma blusa faltando um botão, as pernas enroscadas uma na outra, o cabelo caindo de qualquer jeito pelo ombro, nenhuma preocupação se o batom resistiu ou não à longa passagem do dia. Um livro nas mãos, o olhar perdido dentro de tantas palavras, um ar de descoberta no rosto. Linda.
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Caminhando pela rua, sol escaldante, a manga da blusa arregaçada, a nuca ardendo, o cabelo sendo erguido num coque malfeito, um ar de desaprovação pelo atraso do ônibus, centenas de pessoas cruzando-se e ninguém enxergando ninguém, ela enxuga a testa com a palma da mão, ajeita a sobrancelha com os dedos. Perfeita.
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Saindo do banho, a toalha abandonada no chão, o corpo ainda úmido, as mãos desembaçando o espelho, creme hidratante nas pernas, desodorante, um último minuto de relaxamento, há um dia inteiro pra percorrer e assim que a porta do banheiro for aberta já não será mais dona de si mesma. Escovar os dentes, cuspir, enxugar a boca, respirar fundo. Espetacular.
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Dentro do teatro, as luzes apagadas, o riso solto, escancarado, as mãos aplaudindo em cena aberta, sem comandos, seu tronco deslocando-se quando uma fala surpreende, gargalhada que não se constrange, não obedece à adequação, gengiva à mostra, seu ombro encostado no ombro ao lado, ambos voltados pra frente, a mão tapando a boca num breve acesso de timidez por tanta alegria. Um sonho.
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O carro estacionado às pressas numa rua desconhecida, uma necessidade urgente de chorar por causa de uma música ou uma lembrança, a cabeça jogada sobre o volante, as lágrimas quentes, fartas, um lenço de papel catado na bolsa, o nariz sendo assoado, os dedos limpando as pálpebras, o retrovisor acusando os olhos vermelhos e mesmo assim servindo de amparo, estou aqui com você, só eu estou te vendo. Encantadora.
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...dia desses estava eu, de madrugada, frio pra caramba, dormindo agarrada no volante de um carro [as circunstâncias não vêm ao caso]. Imagino que linda. ¬¬'
...ou então quando chorei porque passei na porcaria [desabafo] do exame da auto-escola. Obrigada, Deus, por existirem óculos escuros. Perfeita, claro. [patética, no mínimo]
...ou quando me meti no meio do mato, que indiada, calor desgraçado, suor escorrendo pela testa, toda descabelada, mosquitos me picando. Encantadora, lógico.
...e agora mesmo, quando levantei da cama e vim pra frente do pc postar esse monte de asneira: cabelo todo revoltado [porque recém cortei e acho que ainda não aprendi a lidar muito bem com ele], pijama, olhar cansado. Depois me dizem que eu acordo linda... aham!!! Pobre espelho...
Mas sabe... essas coisas todas mostram nossa humanidade. E não há nada mais interessante numa pessoa do que ser natural. Ela mesma. A verdade nua e crua. Desarmada.
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