Na véspera de não partir nunca     
Ao menos não há que arrumar malas     
Nem que fazer planos em papel,     
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,      
Para o partir ainda livre do dia seguinte.     
Não há que fazer nada     
Na véspera de não partir nunca.     
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!      
Grande tranqüilidade a que nem sabe encolher ombros      
Por isto tudo, ter pensado o tudo      
É o ter chegado deliberadamente a nada.     
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,     
Como uma oportunidade virada do avesso.     
Há quantas vezes vivo     
A vida vegetativa do pensamento!     
Todos os dias sine linea     
Sossego, sim, sossego...     
Grande tranqüilidade...     
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!     
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!     
Dormita, alma, dormita!     
Aproveita, dormita!     
Dormita!     
É pouco o tempo que tens!  
Dormita!     
É a véspera de não partir nunca!
[de álvaro de campos - um dos pseudônimos de fernando pessoa]
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