sábado, 22 de agosto de 2009

.do tempo da vergonha

.mais uma crônica do livro que estou lendo, porque achei excelente. para pensarmos um pouco sobre a banalização de tudo hoje em dia: uma falta de vergonha quase que generalizada. - 'quase', porque muita gente se salva, sim. mas outros tantos já nem se importam mais.]
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"A gente costuma dar referências do "nosso tempo", como se o nosso tempo não fosse hoje. Sou do tempo do tênis Conga, da Família Dó-Ré-Mi, da Farrah Fawcett, do Minuano Limão, e essa listagem alonga a estrada atrás de nós, faz parecer que a gente é de outro século. E somos.

Eu sou do tempo de tanta coisa, inclusive do tempo em que as pessoas sentiam vergonha. Você já deve ter reparado que vergonha caiu em desuso, a nova geração não deve nem saber do que se trata. Mas a tia aqui vai explicar.

Vergonha é o que você sente quando coloca em risco sua dignidade. Por exemplo, quando pegam você fazendo uma coisa que havia jurado não fazer. Às vezes a vergonha vem de atos corriqueiros, como um tropeção no meio de uma passarela ou uma gafe cometida num jantar. Isso não tem nada de grave, porém, se fez você sentir vergonha, sinal de que você planejava acertar, o que é sempre bom.

Vergonha de ser apresentada a alguém? De falar em público? Também é bobagem, ninguém espera de nós perfeição. Isso é apenas timidez. Será que quem nasceu depois dos anos 80 sabe o que é timidez? Bom, timidez é um certo recato, é quando uma pessoa não faz questão nenhuma de aparecer. Não ria, isso existe.

Mas voltando ao que nos trouxe aqui. Vergonha é o que você deveria sentir quando faz algo errado. É o que deveria sentir quando se desresponsabiliza pelo que está desmoronando à sua volta. Vergonha é quando você se habilita para uma tarefa importante e descobre que não tem competência para executá-la. Vergonha é o que se sente quando interferimos na vida dos outros de forma desastrosa. Vergonha é o que deveria nos impedir de praticar hábitos aparentemente inocentes, como chegar atrasado no teatro quando a peça já começou, e nos impedir de coisas bastante mais sérias, como roubar.

E há a vergonha sem culpa, a vergonha que representamos coletivamente. Eu, ao menos, senti muita vergonha quando uma turista estrangeira, depois de ficar dois dias confinada num aeroporto brasileiro, sem conseguir embarcar, perguntou a um repórter o que significava o lema "ordem e progresso" na nossa bandeira.

Muitos políticos (para citar uma classe trabalhadora aleatória) não possuem vergonha. Possuem contas no exterior, assessores de marketing, mas vergonha, nenhuma. Posam para fotografias ao lado daqueles cuja mãe já xingaram e aceitam o apoio de adversários que já lhes puxaram o tapete. Quando se trata de fazer alianças, a política, de um modo geral, revela-se um bordel, e perdão se estou ofendendo as profissionais do ramo. É bem verdade que restam dois ou três que possuem a decência de dizer: prefiro não me eleger a jogar no lixo meus princípios. Mas para se posicionar assim, é preciso ser do tempo da bala azedinha vendida em lata, do tempo do "Boa noite, John Boy", do tempo dos Novos Baianos, do tempo em que Páscoa significava ressurreição e do tempo em que existia vergonha, coisa que quase ninguém mais sente, poucos lembram o que é e ninguém se esforça para reavivar."
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.martha medeiros, 8 de abril de 2007 - do livro 'doidas e santas', página 133
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17 comentários:

Eri disse...

Eu também adoro ler! principalmente clarisce, sempre tem umas coisas bem legais de se pensar

Daniel disse...

Bom dia Ana,

Fuçando por aí acabei chegando ao teu blog, e li a sua postagem de hoje.
Achei fantástico os diversos significados de vergonha, e isso me deixa com vergonha quando lembro que nossos governantes se esqueceram disso.

Muitas pessoas tb.

Muito legal mesmo.
Beijos

Anônimo disse...

Oi Aninha! Como vc está? Obrigada pelo seu comentário lá no bloguinho, pois é, sabe quando vc recebe um monte de notícias ruins e percebe que são coisas que não pode resolver? é o momento de se voltar a Deus, e perceber que somos muito frágeis mesmo e que não estamos sozinhos.Obrigada pelo carinho e respeito, afinal falar de religião hoje em dia é mais tabu que falar de sexo.

Quanto ao seu Post, concordo plenamente com o texto. Acabou a vergonha no século XXI amiga, hoje em dia ninguém tem medo de nada, tudo é possível, e blá blá blá, o que podemos fazer então? Continuarmos fortes nas nossas convicções e publicar mais textos como este. Uma campanha pela volta da vergonha seria ótimo hahahaha.
beijos

Mário Sioli disse...

Fazia um tempinho que não vinha no seu blog, mas ele continua ainda me surpreender, textos ótimos. Parabéns
Um bom fds pra ti
Beijos

Larissa disse...

As pessoas não têm mais vergonha de roubar, vergonha de ser corrupto, de enganar, de ser fútil , de ser imoral e ilegal.
Eu tenho 18 anos, sou nova. Mas olho pra minha geração e pros acontecimentos atuais e fico pasma.
Sério mesmo...

Perfeita a crônica.
bjs
;**

Anônimo disse...

E lendo o texto lembrei de outra palavra em desuso: honra.
Valeu mais uma importante lembrança.
Bjinhos ;)

Blog Dri Viaro disse...

Tem uma promoçãozinha no blog, participe
bjs

boa semana

...Quem sou eu? disse...

Anaaa!

estou passando bem rápido só pra avisar que arrumei o blog, agora dá pra comentar!
tive que trocar o lay e tudo mais.. mas logo eu ajeito ele bonitinho de volta!
não tive tempo de ler o seu post agora.. mas assim que eu voltar eu o farei! ;)

beijos, uma ótima semana pra ti
Ah, e está linkada lah!

;* até mais

Guiga disse...

hahahahahaah

Não vais acreditar, amiga! Mas me dei este livro de presente no dia do meu aniversário deste ano...e li esta crônica hj, e AMEI!

:D

.: Juliana :. disse...

Nem me fala em gripe A, só que faltava voltar com força total, ninguém merece.
Na medida do possível, tô comendo frutas, verduras e legumes, hehehe.
No mais td certinho.

E vc, td bem?

Uma ótima semana flor.

Bjão.

...Quem sou eu? disse...

voltei pra ler o post ;)

uau.. como sempre os seus posts são sempre ótimos!

agora fiquei super curiosa pra ler esse livro ai.. nha! Pelo pouco que vi da Martha Medeiros fiquei com vontade de ler mais.. vou ver se arranjo um tempinho pra ler mais coisas dela.. =]
quando eu vi uns textos dela eu logo reconheci alguns de lá.. e acho que li pelos blogs alheios e sem duvida devo ter lido aqui tambem! ;P

bom.. acho que é isso, parabéns, seu blog tá lindo como sempre!
beijos, ótima semana!

Silvia disse...

Ótimo texto, Ana!
Inspirador, conheço horrores de pessoas que deveriam ler.

Bjoca

Glenda disse...

aninha linda!!!
O que me deixa bem puta da cara, é aqueles que não tem vergonha na cara e pra piorar a situação, fazem as coisas pelas costas!
Beijão querida!

Glenda disse...

Ah, minha mãe ta lendo esse livro e se tu disse que é bom, quero ler tb! ghha

Saco de Bagulhos disse...

Curti demais esse trecho. Preciso de Martha Medeiros, e como! E pensar que tem tantas outras em desuso e a gente nem percebe (ou não quer perceber).
Bueno. Beijo

Agridoce disse...

Perfeito :D

The Heart of Lilith disse...

Aien, eu sou sem-vergonha...

=]

Dais veiz!

beijos