Machos e fêmeas
"Histórias de amores frustrados, relações ruins ou trágicas, fracassos, decepções, dores e rancores se multiplicam.
Chega a parecer, algumas vezes, que um amor bom, ao menos razoável, alegre, cúmplice, terno e sensual, que faça crescer, seja um bem tão raro quanto viver lúcido e saudável até os cem anos.
Fico pensando nesse dilema, que pode parecer divertido a uma primeira leitura, mas na prática é demais complexo: se não combinamos, por que - homens e mulheres - nos queremos e nos procuramos?
Pensando bem, homens e mulheres pouco têm em comum exceto a preservação da espécie: as almas são diferentes, a biologia é outra, as vontades e os interesses também. Prioridades de um e outro, nada a ver. Como tribos vizinhas mas inimigas: guerrinhas, escaramuças, ou guerra total.
Muito é cultural, concordo. Mas cada vez mais acredito que somos imensamente determinados pelo que éramos nas cavernas.
Homem saía pra caçar, voltava, fazia filhote, saía pra caçar e pra matar inimigo, voltava... e assim por diante.
Mulher ficava na caverna pra ser fecundada, parir, alimentar a família e proteger as crias. Ah, e cuidar do troglodita para que ele estivesse bem nutrido e descansado ao sair em busca de comida para ela e para as crias, e a fecundar de novo... e assim por diante.
Mudou o mundo, os hábitos se transformaram, incrivelmente muita coisa aconteceu - mas o homem e a mulher das cavernas ainda nos habitam sob a casca de algum requinte. Foi Tomás de Aquino ou Agostinho quem disse que o ser humano é um anjo montado num porco? Na guerra e às vezes na relação amorosa o animal predomina; na paz e nos momentos ternos funciona o anjo. O bom mesmo é a mistura: nem de menos, nem de mais.
Só a impenetrável natureza explica que seres tão diversos quanto machos e fêmeas se queiram tanto, se encantem, se façam felizes - ou se detestem, se traiam, se atormentem e, quando possível, até se destruam. Ou tudo isso ao mesmo tempo. O que os diferencia das peludas criaturas originais nem é, pois, a paixão, mas o amor: amizade com sensualidade.
O que precisa um casal para ser um bom casal, amoroso, alegre, criando pontes sobre as diferenças e resolvendo com bom humor as agruras do convívio cotidiano? Penso que o bom casal é o que SE GOSTA, com tudo o que isso significa: cumplicidade, interesse, sensualidade boa, e o difícil compromisso da lealdade.
Dedicação, às vezes até devoção. Para que a gente seja, além de machos e fêmeas, pessoas que entendem, curtem, confortam, desejam e... tudo aquilo que nas cavernas acontecia. Só que com mais graça, consciência, talvez mais delicadeza.
É aí que (re)começam os problemas. Mas macho e fêmea não desistem - nem devem.
Pois apesar da trabalheira toda bem que a gente gosta!"
[mais do mesmo livro da Lya Luft, Pensar é transgredir]
"Histórias de amores frustrados, relações ruins ou trágicas, fracassos, decepções, dores e rancores se multiplicam.
Chega a parecer, algumas vezes, que um amor bom, ao menos razoável, alegre, cúmplice, terno e sensual, que faça crescer, seja um bem tão raro quanto viver lúcido e saudável até os cem anos.
Fico pensando nesse dilema, que pode parecer divertido a uma primeira leitura, mas na prática é demais complexo: se não combinamos, por que - homens e mulheres - nos queremos e nos procuramos?
Pensando bem, homens e mulheres pouco têm em comum exceto a preservação da espécie: as almas são diferentes, a biologia é outra, as vontades e os interesses também. Prioridades de um e outro, nada a ver. Como tribos vizinhas mas inimigas: guerrinhas, escaramuças, ou guerra total.
Muito é cultural, concordo. Mas cada vez mais acredito que somos imensamente determinados pelo que éramos nas cavernas.
Homem saía pra caçar, voltava, fazia filhote, saía pra caçar e pra matar inimigo, voltava... e assim por diante.
Mulher ficava na caverna pra ser fecundada, parir, alimentar a família e proteger as crias. Ah, e cuidar do troglodita para que ele estivesse bem nutrido e descansado ao sair em busca de comida para ela e para as crias, e a fecundar de novo... e assim por diante.
Mudou o mundo, os hábitos se transformaram, incrivelmente muita coisa aconteceu - mas o homem e a mulher das cavernas ainda nos habitam sob a casca de algum requinte. Foi Tomás de Aquino ou Agostinho quem disse que o ser humano é um anjo montado num porco? Na guerra e às vezes na relação amorosa o animal predomina; na paz e nos momentos ternos funciona o anjo. O bom mesmo é a mistura: nem de menos, nem de mais.
Só a impenetrável natureza explica que seres tão diversos quanto machos e fêmeas se queiram tanto, se encantem, se façam felizes - ou se detestem, se traiam, se atormentem e, quando possível, até se destruam. Ou tudo isso ao mesmo tempo. O que os diferencia das peludas criaturas originais nem é, pois, a paixão, mas o amor: amizade com sensualidade.
O que precisa um casal para ser um bom casal, amoroso, alegre, criando pontes sobre as diferenças e resolvendo com bom humor as agruras do convívio cotidiano? Penso que o bom casal é o que SE GOSTA, com tudo o que isso significa: cumplicidade, interesse, sensualidade boa, e o difícil compromisso da lealdade.
Dedicação, às vezes até devoção. Para que a gente seja, além de machos e fêmeas, pessoas que entendem, curtem, confortam, desejam e... tudo aquilo que nas cavernas acontecia. Só que com mais graça, consciência, talvez mais delicadeza.
É aí que (re)começam os problemas. Mas macho e fêmea não desistem - nem devem.
Pois apesar da trabalheira toda bem que a gente gosta!"
[mais do mesmo livro da Lya Luft, Pensar é transgredir]
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