“Emprestaram-me um livro onde estava sublinhada a frase: a meta da vida é a morte.
Bem, eu acredito que o final da vida é a morte, mas que a meta da vida é uma vida feliz.
Palavras gastam-se como pedras de rio: mudam de forma e significado, de lugar, algumas desaparecem, vão ser lama de leito das águas. Podem até reaparecer renovadas mais adiante.
Felicidade é uma delas.
Banalizou-se porque vivemos numa época de vulgarização de grandes emoções e desejos, tudo fast food, prêt-à-porter, pronto para o microondas, fácil e rápido... e tantas vezes anêmico.
Se por encantamento e profissão escolhi o território das palavras, sei o quanto algumas se contaminam pelo uso e se tornam agressivas ou contraditórias, têm ares de ironia ou de ingenuidade. Tornam-se confusas e ineficientes, prestam-se a mal-entendidos ou clareiam mais o significado.
Conheço um pouco o modo como se apoderam das nossas experiências e lhes dão rostos, roupas, ares que nem tínhamos imaginado.
Gosto das coisas – pessoas e palavras – desconcertantes.
Seus contornos imprecisos permitem que a gente exerça o direito de refletir e de criar em cima delas.”
[breve intromissão minha: esse último parágrafo diz tudo pra mim. e eu gosto que seja assim.]
(...)
"Precisamos superar a idéia de que estamos meramente correndo para o nosso fim, num processo de deterioração e apagamento.
Esse é o nosso fantasma mais destrutivo, pois se alimenta com nosso temor da morte, e cresce desmesuradamente porque nosso vazio interior lhe concede um espaço extraordinário.
(...)
A cada transição executamos nossos rituais, perdemos alguns bens e ganhamos outros, alguns duramente conquistados. Falo dos bens de dentro.
Esses que nem o banco fechando nem país falindo caducam; esses que nem o amado morrendo a gente perde; esses que na dor nos iluminam, na alegria nos ajudam a curtir mais, e no tédio – quando tudo parece tão sem graça – agitam correntes submersas de energia mesmo se a superfície parece morta.
Quando pensamos que tudo acabou, que nunca mais teremos alegria ou emoção, tudo isso que estava guardado e é bom emerge em plena vigência e força.
É desses tesouros que eu falo: eles podem vencer o que nos paralisa. Hão de superar essa cultura do aqui e agora, do aproveitar, do adquirir, do estar na moda, do estar por cima, do estar-se agitando e curtindo sem parar.
Na infância tudo é sempre agora.
Estamos ocupados em viver.
Aos poucos, se distinguem antes e depois, talvez pela separação momentânea de uma presença reconfortante que vai e retorna num tempo ainda não medido. A ausência se torna real num lampejo quando essa pessoa volta. “Ué, você não estava aí?”
Por fim emergimos daquelas águas mornas e percebemos que existimos – no tempo. Estamos em processo, em viagem, estamos em curso.”
(...)
Existir é poder refinar nossa consciência de que somos demais preciosos para nos desperdiçarmos buscando ser quem não somos, não podemos, nem queremos ser.”
[Lya Luft – Perdas e Ganhos]
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