"O amor que ainda não se definiu é como uma melodia do desenho incerto. Deixa o coração a um tempo alegre e perturbado e tem o encanto fugidio e misterioso de uma música ao longe..."
.
[do poeta preferido da Clarissa]
.
.
Acho que a frase define bem o livro. É uma história tão leve, tão boa de ler, mas ao mesmo tempo faz a gente pensar em tanta coisa. Gosto do jeito do Erico escrever: muitas idéias consistentes em períodos curtos.
A Clarissa do livro é uma menina de família tradicional em plena decadência. Tem um tio alcoólatra e outro viciado em cocaína. Vive numa casa onde só se falam em problemas. É apaixonada pelo primo Vasco [que vive vagabundeando por aí, e não quer nada com nada na vida].
Bem na foto a moça, né?
Mas o que eu estou achando melhor são os trechos do diário dela. Tão simples, objetivos e até ingênuos. Mas verdadeiros, sinceros. É onde ela derrama tudo o que sente e pensa, sem meias-palavras. Coisas mais ou menos assim:
.
.
"Hoje no sermão o vigário falou muito em inferno. Vou escrever uma coisa que eu sinto que não devia pensar. Não posso acreditar muito no inferno. Segundo o Padre Silvestre o inferno é uma coisa horrível, nele só há fogo e diabos com aqueles garfos enormes cutucando nos pecadores. Quem vai para lá não sai mais e fica sofrendo por toda Eternidade. (Outra história que eu não compreendo é a Eternidade.) Agora eu pergunto: "Deus é bom, muito bom mesmo?" Eu mesma respondo: "Sim, Deus é muito bom." O outro eu torna a perguntar: "Se ele é bom, como é que pôde inventar um lugar tão ruim como o inferno?" Lembro-me de que o vigário disse que foi satanás quem inventou o inferno. Mas como é que um dia destes, falando na Criação, o mesmo padre disse que Deus tinha feito todas as coisas? Ora, se Deus é bom mesmo não pode mandar o pecador para o fogo eterno, por maior que seja o pecado. Por mais que eu pense e queira me convencer de que isto está certo, não consigo. A gente comete um pecado, às vezes sem querer ou sem saber que está comentendo, e lá vai para a caldeira do diabo. Não, não está direito.
.
Mas eu não devia escrever estas idéias. São horríveis, são pecado e por causa delas posso ir parar no inferno. Mas é que não acredito muito no inferno. E se penso, devo escrever. Se não escrever, sou fingida e fingimento também é pecado. Pronto! A gente sempre está pecando, queira ou não queira. Eu devia ser mais religiosa; devia, mas não posso. (...) confesso que às vezes na igreja não consigo me convencer de que estou na casa de Deus. Não tenho culpa. É aquele cheiro, aquele zunzum, a voz desagradável do padre, tudo isso está me separando de Deus. Quando rezo no meu quarto e converso com Deus baixinho, me sinto mais à vontade, mais tranqüila. (...)
.
Estou escrevendo muita coisa inconveniente. Preciso rasgar esta página e pedir perdão a Deus. Rasgo amanhã."
.
.
[perfeito!]
.