quinta-feira, 31 de julho de 2008

.música ao longe

"O amor que ainda não se definiu é como uma melodia do desenho incerto. Deixa o coração a um tempo alegre e perturbado e tem o encanto fugidio e misterioso de uma música ao longe..."
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[do poeta preferido da Clarissa]
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Acho que a frase define bem o livro. É uma história tão leve, tão boa de ler, mas ao mesmo tempo faz a gente pensar em tanta coisa. Gosto do jeito do Erico escrever: muitas idéias consistentes em períodos curtos.
A Clarissa do livro é uma menina de família tradicional em plena decadência. Tem um tio alcoólatra e outro viciado em cocaína. Vive numa casa onde só se falam em problemas. É apaixonada pelo primo Vasco [que vive vagabundeando por aí, e não quer nada com nada na vida].
Bem na foto a moça, né?
Mas o que eu estou achando melhor são os trechos do diário dela. Tão simples, objetivos e até ingênuos. Mas verdadeiros, sinceros. É onde ela derrama tudo o que sente e pensa, sem meias-palavras. Coisas mais ou menos assim:
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"Hoje no sermão o vigário falou muito em inferno. Vou escrever uma coisa que eu sinto que não devia pensar. Não posso acreditar muito no inferno. Segundo o Padre Silvestre o inferno é uma coisa horrível, nele só há fogo e diabos com aqueles garfos enormes cutucando nos pecadores. Quem vai para lá não sai mais e fica sofrendo por toda Eternidade. (Outra história que eu não compreendo é a Eternidade.) Agora eu pergunto: "Deus é bom, muito bom mesmo?" Eu mesma respondo: "Sim, Deus é muito bom." O outro eu torna a perguntar: "Se ele é bom, como é que pôde inventar um lugar tão ruim como o inferno?" Lembro-me de que o vigário disse que foi satanás quem inventou o inferno. Mas como é que um dia destes, falando na Criação, o mesmo padre disse que Deus tinha feito todas as coisas? Ora, se Deus é bom mesmo não pode mandar o pecador para o fogo eterno, por maior que seja o pecado. Por mais que eu pense e queira me convencer de que isto está certo, não consigo. A gente comete um pecado, às vezes sem querer ou sem saber que está comentendo, e lá vai para a caldeira do diabo. Não, não está direito.
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Mas eu não devia escrever estas idéias. São horríveis, são pecado e por causa delas posso ir parar no inferno. Mas é que não acredito muito no inferno. E se penso, devo escrever. Se não escrever, sou fingida e fingimento também é pecado. Pronto! A gente sempre está pecando, queira ou não queira. Eu devia ser mais religiosa; devia, mas não posso. (...) confesso que às vezes na igreja não consigo me convencer de que estou na casa de Deus. Não tenho culpa. É aquele cheiro, aquele zunzum, a voz desagradável do padre, tudo isso está me separando de Deus. Quando rezo no meu quarto e converso com Deus baixinho, me sinto mais à vontade, mais tranqüila. (...)
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Estou escrevendo muita coisa inconveniente. Preciso rasgar esta página e pedir perdão a Deus. Rasgo amanhã."
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[perfeito!]
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10 comentários:

Guiga disse...

Perfeito mesmo, Ana!!
Eu não gosto de padres e religiões, prefiro fazer minhas "orações" sozinha.

Muito obrigada pela força, mas o que dizer quando essas "depres" são provenientes do amor...?ou será que não seria amor? já acho que é obsessão...mas enfim hehe deixa pra lá...um dia eu aprendo sou [novinha] ainda :P

beijão!!

ps: adoro teus posts!!!

Alternativa disse...

realmente!! o amor indefinido é um tormento que alimenta a alma. ja me livrei de uns assim (graças a Deus!!)

e sobre padres e pecados... prefiro comete-los, sabendo o que eles pensam sobre os pecados e sabendo que ja me condenam, mto antes de Deus.

Tem uma música do Raul que diz "A Madre da escola ensina / a ré conhecer o pecado / e o que voce sente é ruim / Mas Baby, Deus nao é tao mal assim... / O inferno é o encontro do Sol"

é isso... se Deus é amor, amar nao pode ser pecado!!

mas qual o título do livro mesmo?

.ana disse...

maíra, é o título do post!!!
"música ao longe"
;)

Silvia disse...

Parece eu questionando o inferno, juro! hahahahaha!
Parece ser muito bom esse livro, hein!

P.S.: de certeza, todo mundo acharia o m�ximo ter uma av� que conheceu �rico Ver�ssimo! =DDDD

Beijos, Ana!

Unknown disse...

hehehe, gostei do trecho de diário dela... realmente... escreveu bem e tudo em poucas palavras.
Inferno em si nao existe eu acho, o que existe em si é que devemos evoluir aqui mesmo nessa passagem terrena, evoluimos superando nossos desafios e dificuldades... Provando a nós mesmos e a Deus que sim temos muito Amor e caminhamos para a Evolução (demorada, mas que não para nunca...) e o estado de espírito Luz.

Anônimo disse...

aaaae, amei teu Blog, Ana escreve muito bem!E além de tudo me ajudou com um trabalho no colégio!
Coisa boa esse livro, adoro a Clarissa!
Beijão.

Anônimo disse...

Este livro eh muito bom, puro sentimento. Li ha alguns meses e estava procurando o verso de "Paulo Madrigal" q abri teu post.
Para mim a Clarissa so se apaixona por Vasco no fim, qndo eles começao a conversar, e o verso descreve exatamente o q ela sente pelo primo ate ele aparece junto com a musica ao longe...

Giovana Miessa disse...

Parabéns pelo post Ana... adorei como vc falou do livro.
Amo esse livro, tenho a coleção toda de Érioc Veríssimo, talvez meu escritor preferido...
Estou lendo novamente esse livro...rs... é minha 4ª leitura, e não enjôo..rsrsrs
beijinhos linda, se cuida!

Anônimo disse...

Olá Ana..

Gostei de ler e ainda mais de "ouvir" esse trecho de Música ao Longe do meu escritor brasileiro favorito (já li quase toda a obra de Érico Veríssimo)..
Eu acho que "pecado" mesmo é não amar (mesmo não sendo compreendido)..
Eu acho mesmo que ás vezes a gente inferniza a vida dos outros.. e isso aí é o "inferno em pessoa"..

Fica bem.
Simão Pedro

Anônimo disse...

"Música ao longe" ilustra a resistência da pureza, a energia da ingenuidade e luta contra os valores destruidores e coercitivos das relações sociais característicos e específicos da sociedade da época, projetando em nível micro ao nível macro o processo histórico decadente da família brasileira simbolicamente estampada na família de Clarissa. Na singeleza dos versos de Paulo Madrigal, a revelação de que o singelo inspira a alma... mesmo que sejam rimas oriundas da escrita de um simples caixeiro viajanta. Quem pode entender o que, exatamente, a alma busca. E o que ela realmente quer...